Entrevista – Paulo Mendes da Rocha

Em conversa sobre o reconhecimento atual que a sua produção tem obtido através da conquista de importantes prêmios internacionais, sobre trabalhos recentes e também acerca dos desafios universais da arquitetura, o capixaba reafirma a sua visão humanista da profissão. O que traz alento e inspiração, sobretudo em momentos como este, de crise e instabilidade política no Brasil e mundo afora


Foto: Ilana Bessler

De imediato, os prêmios – sobretudo aqueles concedidos ao conjunto da obra – são meios eficazes para, além de se reconhecer o valor profissional, divulgar ou resgatar a produção de um arquiteto. E, consequentemente, (re)colocar em voga o pensamento por detrás dela. Por isso, é de se comemorar a nova série de condecorações que se tem dado ao redor do globo para a obra de Paulo Mendes da Rocha. Depois do Pritzker em 2006, por si só uma grande premiação para a carreira de um arquiteto, ele recebeu, em 2016, o Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza, seguido pelo Prêmio Imperial do Japão e, mais recentemente, a Medalha de Ouro do RIBA, do Instituto Britânico de Arquitetos.

Atemporalidade, inventividade da técnica associada à constituição de espaços de qualidade, generosos, além da força do discurso, foram aspectos destacados pelas entidades que concederam os prêmios, entre outros. O que é capaz de recolocar em cena, e para uma grande plateia – em época política e socialmente conturbada como a que vivemos, estando a arquitetura em busca de novos caminhos -, alguns dos princípios básicos e duradouros que devem motivar a profissão.

Paulo Mendes da Rocha pensa o futuro – com especial conhecimento do passado e presente – e, por isso, por vezes seu discurso pode parecer ininteligível. O que é falar de paz e colaboração entre os países do continente americano hoje em dia, quando politicamente se tem caminhado para uma nova onda de protecionismos nacionais e com a tendência a se privilegiarem interesses comerciais imediatos? Pois é… há de se manter a mente sã para pensar um futuro melhor. “Nosso destino é vivermos juntos, nas cidades”, adverte ele. Portanto, que seja de forma colaborativa e pacífica.

Por aqui, no Brasil, há projetos seus em construção. O mais factível deles é o Sesc 24 de Maio, no centro de São Paulo, um trabalho engenhoso e de transformação de um prédio vertical em clube, implantado numa região densamente ocupada e de importante valor simbólico para a cidade. Associado aos arquitetos do MMBB, assim, Mendes da Rocha está prestes a implantar mais um projeto na região – que já conta com a Praça do Patriarca -, o que, na sua fala, é interessante por fazer um contraponto ao poderio econômico que já caracterizou o centro. Ele destaca que a graça do projeto é a piscina, na cobertura da construção, aberta aos trabalhadores associados ao Sesc.

Há também obras interrompidas, como a do complexo cultural Cais das Artes, em Vitória, em parceria com o Metro Arquitetos, e a do novo MAC-USP e o Complexo Praça dos Museus da USP, ambos na Universidade de São Paulo, respectivamente concebidos ao lado de Pedro Mendes da Rocha e Piratininga Arquitetos. São obras paradas ou sem previsão da implantação total, o que nos remete novamente a indagação sobre a importância da vontade política para a efetivação da arquitetura. Este foi um dos aspectos reiterados pelo arquiteto na conversa a seguir, referindo-se não às suas próprias criações, mas ao futuro da humanidade.

O senhor embarcará para Londres, em breve, aonde irá receber mais um prêmio de arquitetura. Que se soma ao Leão de Ouro da Bienal de Veneza e ao Prêmio Imperial do Japão, conquistados recentemente, depois de já ter sido condecorado com o Pritzker, o Mies Van Der Rohe, entre outros. Como se sente?

Não esperava por isso, é uma surpresa ganhar esses prêmios porque eles acontecem sem que a gente se inscreva, ou algo do tipo. Mas sendo assim, ao mesmo tempo, acho que significa que estão com medo que eu morra [risos]. De qualquer forma, mostram que há ainda interesse pelo nosso discurso.

Mas há ainda muito a fazer, projetos para inaugurar. Depois de tantos anos de construção, por exemplo, começa a entrar na reta final a implantação do Sesc 24 de Maio, no centro de São Paulo. Qual a importância desta obra para a cidade, considerando o programa e o local de implantação?

O programa era quase todo estabelecido, e é muito importante dar outras atividades a um lugar como aquele, próximo ao Teatro Municipal por exemplo. Na arquitetura, vale muito o endereço, e aqui estamos falando do centro da cidade. Mas o interessante é colocar aquela grande piscina no topo do prédio, para os funcionários nadarem e tomarem sol, lá no alto, de frente para os patrões. Essa é a graça do projeto.

Que destino teve o grande saguão, no centro do edifício?

É o lugar da rampa, para as crianças caminharem, brincando. Foi importante eles [Sesc] comprarem o prédio do lado, para abrigar a técnica toda. Liberou espaço.

Também é provável que se construa a passarela de ligação do Museu dos Coches, em Lisboa, com a frente do Tejo. O projeto, assim, estará finalizado a contento?

Essa ligação é, de fato, essencial. Mas falta também a parte museológica. Com ela, poderemos projetar filmes nas paredes, mostrando, por exemplo, o video da rainha da Inglaterra em Lisboa, andando em um dos coches. Ou mesmo filmes, bastante conhecidos, em que aparecem as carruagens.

É um museu de grandes proporções mas, quando se está dentro dele, de escala amigável.

Os artefatos são grandes, precisavam de espaço para serem exibidos. E, ao mesmo tempo, queríamos liberar o chão, dar fluidez, por isso a grande altura da viga que está dentro das paredes.

Mas também o Cais das Artes, em construção em Vitória, é constituído por espaços de similar grandeza.

A implantação é muito importante. Aquele lugar é a entrada do porto, repleto de atividades, aonde se vai instalar um equipamento de cultura, com forte valor para a educação. Importa que se perceba a frente do mar, o vai e vem diário dos navios, e por isso o museu será suspenso. Toda a praça poderá receber manifestações ao ar livre. A visão da atividade portuária fará parte do conjunto.

Olhando em retrospecto a arquitetura brasileira contemporânea, que críticas o senhor faria?

Não saberia dar esta resposta, mas penso que a arquitetura é um modo peculiar de conhecimento, deve mudar sempre. É técnica, é arte, é ciência, mas não é a somatória disso tudo, simplesmente. Porque à arquitetura cabem as responsabilidades política e social, em qualquer época, em qualquer lugar. Já disse isso algumas vezes: nós estamos aqui para resolver problemas. Que problemas são esses? Essa é a questão. Tem a ver com a condição humana.

Mas há momentos e projetos paradigmáticos. Como quando se fez o Conjunto Nacional ou o Copan, em São Paulo, que o senhor costuma apontar positivamente.

É verdade. Mas não se pode pensar na arquitetura como coisa isolada, num desfile de objetos estáticos. Isso não tem a menor importância, assim como não faz sentido falar da técnica, como um elogio em si. Quando menciono que a arquitetura tem que pensar na condição humana, é para dizer que já que temos que fazer algo, porque sem a coisa materialmente configurada não se realiza a ideia da arquitetura, que se faça, então, com uma visão abrangente que temos de nós e do nosso futuro. A arquitetura é um discurso sobre a totalidade do conhecimento. Não é uma mercadoria, portanto, mas uma ação que antevê necessidades. E quando pensada politicamente, abre caminhos para ideias do que não fazer. Isso é o que chamo de evitar a rota do desastre.

Que tem a ver com os recursos naturais, a geografia, a economia mundial. Enfim, com as disponibilidades e jogos de poderes dos quais a arquitetura as vezes faz parte.

Se formos pensar na América Latina, por exemplo, ela foi configurada de forma arbitrária. O Tratado de Tordesilhas, que é uma linha reta, resolveu disputas coloniais como se não houvesse nada por aqui. Mas, e a interligação dos rios? Portanto, reagindo ao desastre anunciado pela política colonial, é que a nossa arquitetura deve se manifestar como uma forma única de conhecimento. Podemos dizer ao mundo que as coisas devem ser diferentes, promovendo a integração da América Latina através da hidrografia. Olha que oportunidade, do Rio Tietê, ele não corre para o mar, mas deságua no rio Paraná e, daí, no Prata. Também poderíamos fazer uma ligação entre Atlântico e Pacífico, surgindo duas possíveis portas para exportar as nossas produções. Só com a paz entre os países é que projetos como esses poderiam ser feitos.

Trata-se de uma visão a longo prazo! Então, por onde começamos?

Seja aonde for, em todo o mundo, os grandes problemas de hoje são as más moradias e as misérias das migrações que, em grande medida, questionam a colonização. O que o mundo hoje vive, de fato, é uma revisão crítica dessa política desastrada. Penso isso no sentido da inteligência, de como podemos nos negar a conviver com a exploração indigna do trabalho humano. O mundo está se confrontando com essas questões, e a notícia que parte do Brasil é a da necessidade de nos unirmos no continente, de projetarmos uma América comum. Portanto, para pensarmos em como fazer do planeta um lugar habitável, surgem as cidades como o grande tema. São elas o lugar, e isso tem, para nós, latinoamericanos, uma dimensão continental. É o que se deve pensar quando se desenha uma simples casa: em política. O urbano jamais será resultado de fenômenos, mas sim fruto de ações políticas.

Mas a política não tem, no geral, nos dado boas notícias.

Mas pense que, hoje em dia, todo mundo sabe o que acontece, em qualquer lugar. Forma-se uma consciência universal que se espalha de forma popular. Vive-se um grande avanço na comunicação, o que pode produzir uma transformação muito forte e muito rápida. Quando o povo reage, a coisa anda.
 
Uma consciência que perpassa também a escola de arquitetura.

Gosto de lembrar da fala do filósofo, sobre o nosso desejo de continuarmos embora saibamos da morte inexorável. O fundamental para nós, então, é a educação, o debate sobre o que faremos. Os jovens, nesse sentido, são personagens de uma transformação. Na minha opinião, a educação é a questão fundamental no mundo hoje.

No entanto, é um sistema que vive também uma forte crise, mundial.

A escola está toda errada, é feita com o propósito mercadológico de um capitalismo sem inteligência. Falta ensinar física, mecânica elementar, junto com a alfabetização, porque, brincando com uma bolinha de gude, um peão, a criança aprende, intuitivamente. Elas são os agentes do futuro, que é o que nos resta como perspectiva de superação de crises. E quanto maior ela for, mais precisamos convocar a inteligência humana. Nossa existência no planeta é muito recente e frágil.

O senhor já citou algumas vezes a importância das suas memórias da infância, na constituição da sua arquitetura.

As memórias são perturbadoras. Não há, nelas, uma ordem clara, uma relação de causa e efeito. São experiências de que não nos esquecemos. Uma hora, estimulado pela angústia, elas voltam à tona. Isso é a nossa consciência, o que tem a ver também com a nossa ideia de futuro. Se você não diz ao outro qual o sentido de seguirmos adiante, o que dizemos vira apenas um discurso.

Isso acontece muito com o discurso arquitetônico, não é verdade?

A arquitetura será sempre um discurso de caráter experimental. A ideia do projeto é dizer algo sobre a nossa condição humana, no agora, mas já com indícios da nossa ideia de futuro. Bobagem tratar a técnica friamente, como se ela fosse algo em si mesma. Portanto, a questão da escola de arquitetura, hoje, é a de se encarar politicamente a construção da cidade contemporânea. Sinto muito em ver que nada disso está sendo feito.

E qual é o futuro da arquitetura e da vida nas cidades?

A cidade é o laboratório do homem. Precisamos viver juntos e, para isso, tem que ter infraestrutura urbana, serviços, etc, desde sempre. Qual o modelo ideal? Não se sabe. Mas dá para saber quais aspectos negar. A superpopulação, é um deles.

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